20/10/2018

Roda

Quando tocava a música não existia moveis
não existia medo
não existia pressa

Quando rodava o corpo não existia amarras
não existia tempo
não existia fim 

Quando cerrava os olhos não existia duvidas
não existia nada implícito
existia alma escancarada
lágrimas misturadas a sorrisos

Quando pisava o pé descalço não existia questionamento
não existia cansaço
existia suor
existia êxtase 

Quando jogava os cabelos não existia calma
não existia erro
existia instinto
existia leveza

Quando findava a dança
não existia tristeza
não existia mágoa
não existia receio
existia , 
existia.

Metamorfose

Faz mais de um ano desde que postei aqui pela última vez.
Algumas coisas em mim mudaram, outras fiz questão de não mudar.
Tenho medo de ter me perdido de mim mesma, algo que sempre bati no peito que nunca faria, mas é também algo que nem sempre tenho controle....e a partir do ponto de vista que eu não sou a mesma de ontem e nem a mesma de amanhã então eu posso só ter me perdido da Mariana de anos atrás mas me reencontrei na Mariana do presente...
Essa Mariana raramente dança...pra dizer a verdade não lembro a ultima vez que dancei sozinha como amava fazer.
Essa aqui que vos escreve não se reconhece em vários momentos , e por alguns momentos isso é bom.
Ela passou por algumas emoções fortes e quis correr pra longe, chorar até não conseguir mais, gritar, chacoalhar a cabeça pra ver se acordava pois queria de coração estar em um sonho, ou pesadelo...mas não estava.
Mas por outro lado ela descobriu uma coisa nova que ama fazer e faz muito bem , só precisa agora lidar com sua ansiedade pra não por tudo a perder...
Ela decidiu retomar esse blog assim ela se reconecta com ela mesma e como o objetivo desse sempre foi ficar de herança pros seus futuros filhos talvez seja de alguma utilidade eles verem que mudanças são difíceis mas nem sempre são ruins...
Hoje ela não vai escrever muito pois tem prazo pra entregar encomenda... (sim isso faz parte da novidade...)
Mas ela volta, promete, e costuma cumprir as promessas....algumas...

04/04/2017

Quiero casarme contigo....

"Quero casar com você, e pra isso só preciso do seu amor.
Talvez um sábado sem chuva, num campo verdinho, com árvores ao fundo, um pôr do sol, fitas de cetim voando atrás do altar, um jardim de corações de papel emoldurando o caminho do cortejo.
Quero casar com você descalça, sentindo a grama nos meus pés, te ver a vontade no altar sem nenhuma gravata pra te apertar, e com as pessoas que amamos podendo ser elas mesmas.
Quero casar com você, com meu irmão e nossa sobrinha levando as alianças, amarradas em seu brinquedo preferido, sem terem que usar roupinhas que lhes incomodem.
Quero casar com vc, com garrafinhas pintadas por mim no centro de cada mesa, mensagens de amor em pequenos cavaletes feito por nós e nossa família, flores bonitas e não mais que o necessário, bolas de barbante confeccionadas em algumas madrugadas por você.
Quero casar com você sem usar joias, só um brinco de capim dourado, uma flor no meu cabelo solto, um vestido simples e leve, um buque de origami feito por mim e por você.
Quero casar com você, e declarar nossos próprios votos, sinceros e escritos em papeis rabiscados. Quero um celebrante que nos conheça e fale mais de amor e Deus do que religião.
Quero casar com você, e que os convidados não tenham uma regra de vestimenta, que todos se sintam bem vindos e ninguém se sinta intimidado por nenhum tipo de ostentação.
Quero casar sem luxo, sem perfeccionismo, sem neura sobre toalhas, lugares, ou qualquer outra coisa que seja material.
Quero celebrar uma união e não oferecer um evento.

Só quero casar com você, em um casamento perfeito, pra ser perfeito só precisamos de nós , nosso amor , Deus e quem nos ama. "

Assim foi, perfeito, nossa igreja foi a natureza, e Deus nos abençoou.

01/03/2017

As vésperas do "SIM"...

Daqui exatamente trinta dias , nesse horário ela estará  finalizando sua maquiagem e entrando no carro para ir ao local do seu casamento.
Ela penou muito, teve que conhecer algumas pessoas que a decepcionaram, a machucaram, a fizeram desacreditar de quem sabe um dia estar em um relacionamento duradouro, com amor de verdade, cumplicidade, diferenças, concessões , risadas, conversas sérias ...
Mas no fundo ela nunca desacreditou de verdade. 
Ela sabia que ia encontrar com ele, ela sabia que uma hora ele chegaria, que na melhor hora ele chegaria e seria assim, exatamente o que a vida dela pedia, e ela seria o mesmo pra ele. 
Tem muita diferença entre os dois, muita mesmo, mas é muito bonito a forma como os dois foram se moldando a essas diferenças,

Ao mesmo tempo eles tem muito em comum. O que ela considera essencial eles tem em comum. 
Ela ama a forma como ele respeita toda forma de amor, toda forma de religião, de pensamento.
Ele enxerga o mundo além, eles querem juntos educar o futuro filho deles de maneira completamente desconstruída, respeitando a todos, independente de cor, credo, orientação sexual. 
Eles dividem ideias, histórias, têm uma sintonia que ignora suas diferenças. 
E o principal, eles tem AMOR, no sentido mais real possível, com respeito, doação, compreensão, tolerância, carinho, toque, e de alma.
Daqui trinta dias ela vai olhar no olho dele e vai afirmar perante todos presentes e Deus que sim, quer seguir essa estrada passageira que é a Vida , de mãos dadas com ele, sem soltar, sem temer, por todas as próximas vidas se Deus assim permitir.





14/12/2016

Busca

Ela tava meio perdida em suas ideias..isso não era novidade nenhuma, mas antes, muitos anos atrás quando se sentia assim ela só botava uma música qualquer, apagava a luz do quarto e dançava meio sem regra e sem compasso , de um jeito bagunçado que parecia correto pra ela.
O mundo era bom quando dançar parecia aliviar os problemas .
No mundo adulto ela não tem tempo, animo, espaço ou vontade de dançar.
E quando se anima ela vê que o tempo passou. Que tem outra coisa pra fazer. Ela aperta a vontade de dançar de volta pra dentro dela como quem tenta fechar uma mala muito cheia.
Tinha até prometido não se "esquecer de si mesma" , mas ela ultimamente não tem se reconhecido , então isso meio que perdeu o sentido.
Ela entende que precisou mudar, amadurecer, mas vez ou outra ela sente culpa quando ve uma foto de uns anos atrás aquele sorrisão despreocupado ao estilo "keep calm, and just dance!" .
A mania de escrever sobre si na terceira pessoa ela não perdeu. Ponto.
Agora ela escreve em bloco de nota enquanto espera a internet voltar pra retornar o que estava fazendo online.
Já nem sabe mais pra quem, ou porque escreve. Já alegou outrora que era registro pros filhos a conhecerem melhor...
É segredo, mas ela não se ve ficando velhinha, sempre teve a intuição que desencarnaria jovem provavelmente deixando marido e filhos. Como disse, é segredo. Nunca comentou isso com ninguém, achou meio inoportuno e bem pessismista e provavelmente levaria bronca por pensar assim. Ela não escolheu, mas sente isso desde muito cedo.
De qualquer forma ninguém lembra desse espaço então escreve sem preocupação.
Ela está bem, e está feliz, mas sente falta de alguma coisa, e ela não sabe dizer o que. Não é nada no ramo afetivo, ou de amizades, é algo dela, dentro dela mesmo. Acho que é o coração sambando.
Bem...definitivamente é o coração sambando.
O coração dela sambava quando ela estava extremamente entusiasmada com algo que estava prestes a acontecer, ou quando de madrugada ela tinha vontade  quase incontrolável de desenhar, escrever ou dançar. O sambar do coração dela mantinha ela com uma expectetiva igual de uma criança na véspera do proprio aniversário, a diferença é que ela ficava assim sem nem sempre entender o motivo. Mas adorava ficar assim....

21/09/2016

Sobre aprendizado, faltas, e meus alunos...



Faz quase um ano que não escrevo aqui...não por falta de vontade, não por falta de tempo...não sei dizer o que aconteceu comigo nesse ano que se passou.
Meu ano foi bom, foi cheio de expectativas, cheio de coisas boas que aconteceram, e coisas que esperava acontecer e não foi bem assim...
Me olho no espelho e não me reconheço, coisa minha comigo mesma....mas que estou trabalhando pra melhorar...

Comecei a trabalhar em um lugar que eu tinha vontade de fazer tudo por ele, conheci crianças, meus alunos, que me desafiaram, como professora e como pessoa, pequenos e grandes alunos que fui aprendendo a amar um por um em meio a broncas, abraços e orgulho.
E fui demitida.
Não por algo que fiz, ou deixei de fazer. Corte de gastos.
Mas foi a primeira vez que fui mandada embora, tive um corte de relações repentino com as crianças que aprendi a amar em pouquíssimo tempo.
Me foi negado o direito de me despedir delas, insisti, pedi, bati o pé, e tive um dia pra dizer adeus e não dar muita explicação.
Entre elas tinham algumas que acabaram comigo ter que dizer tchau.
Tinha o JG, ele tinha um pequeno grau de autismo, tinha dez anos e dizia-se apaixonado por mim, era doce, sorridente e toda aula me pedia pra brincar de caça ao tesouro , eu tentava explicar que pra isso todos deveriam querer brincar, e tentava convencer a sala mas ninguém topava. Conversava com ele e via outro jogo que ele gostaria de brincar . Na maior parte do tempo ele ficava em seu mundinho, mas todo dia de manha vinha me falar "Bom dia minha dama" apertando minha mão. Na despedida os alunos me escreveram cartas, na dele ele colocou o endereço de sua casa "Vai me visitar por favor esse é meu endereço, minha casa tem porta branca.." . Nunca vou esquecer dele.
Havia também o I. diagnosticado com psicopatia infantil, quando cheguei fui alertada sobre ele, tinha nove anos, era manipulador, tinha um leve atraso, provocava os colegas e quando os mesmo revidavam ele ficava parado chamando nossa atenção pra ficar como vítima da situação. Por isso as demais educadoras não tinham paciência com ele, eu era nova lá e talvez por isso tinha mais. Ele adorava ficar abraçado, ou de mãos dadas com as educadoras. As demais crianças não entendiam o problema dele e sempre reclamavam de seu comportamento. Um dia pensei em contar-lhes, mas achei melhor não, elas o tratavam apesar de tudo bem, como se ele não tivesse nenhum problema. Isso acho eu , era bom.
R. ela foi o maior desafio. Uma adolescente, treze anos, extremamente fria, agressiva, mas ao mesmo tempo os olhos dela a traíam e passavam uma doçura que ela tanto queria esconder. Meu primeiro encontro com ela foi ela cochichando algo pra uma colega enquanto olhava pra mim e ria. Eu não me deixei abalar, olhei e sorri de volta. Depois em minha primeira aula ela ja demonstrou-se desconfiada, expliquei quem eu era, e deixei aberto pra me fazerem as perguntas que queriam, enquanto todos me perguntavam ela ficava em silencio como se estivesse me lendo ou tentando me ler. Eu sabia que com ela teria que ter um certo cuidado. Uma das educadoras me disse que um dia que ela a desrespeitou a mandou pra fora da sala, ela saiu e com uma chave riscou a moto da educadora. Então tentava ao máximo não bater de frente com ela e ao mesmo tempo tentava ser firme. Mesmo assim senti que ela se afastava cada vez mais. Ela andava com os meninos da sala, eles a admiravam por seu comportamento rebelde , e ela percebi que tinha necessidade dessa aprovação deles. Um dia cheguei em sala e ela estava com um brinquedo de blocos em mão jogando as peças nos colegas, pedi que guardasse. Ela não o fez, me ignorou e continuou a jogar os blocos. Insisti, e nada. Alertei que se ela não guardasse teria de ter consequências, ela riu. Insisti, ela me desafiou achando que eu blefava, pedi que se retirasse, ela se irritou pegou o jogo todo e tacou na parede do outro lado da sala. Vendo que ela não ia se retirar e estava exaltada saí da sala e fui pedir pra psicóloga chama-la pra conversar. Ela saiu, e retornou em silencio quando a aula ja acabava. Me senti mal, queria entende-la , queria ter uma abertura, sabia que sua vida não era fácil. Na mesma semana ela brigou com outro aluno, e sua mãe foi chamada, a mãe igualmente fria brigou com ela e puxou seu cabelo diante da coordenadora e educadores. Na semana seguinte ela estava diferente, mais quieta, não digo mais calma pois sentia que ela estava com a raiva contida, mas ainda tinha raiva. Fui dar minha aula e decidi apresentar uns slides com fotos de algumas apresentações minha, isso chamou a atenção dela, e pela primeira vez vi ela se afastar dos meninos pra prestar atenção ao que eu falava. Ela me fez perguntas sobre as peças, sobre meu figurino, sobre como foi pra mim interpretar um homem , eu respondi tentando conter minha felicidade ao vê-la participando. Adotei o psicologia do abraço, no caso do sorriso pois ela não se permitia abraçar nenhuma educadora, todo dia de manha que eu a via eu sorria e dizia "Bom dia R. , tudo bem com você?", na primeira vez ela ficou tão desconfiada que não me respondeu, depois me falou bom dia, depois me disse que que estava tudo bem, e finalmente já me perguntava como eu estava também.  Então também mudei meu modo de coloca-la em aula, sempre perguntava sua opinião nas atividades, a colocava como lider nos jogos , perguntei se tocava algum instrumento, ela disse cajon, e consegui um emprestado pra ela tocar na apresentação de dia das mães. Ela brilhou na apresentação. Eu a via sorrindo e o sorriso agora condizia com o olhar doce. Ela ainda era rebelde, ainda mexia nas fantasias da sala quando não podia, mas quando eu pedia pra guardar ela guardava e ainda dava bronca nos meninos pra eles guardarem também. Uma semana antes de eu ser mandada embora a psicologa que sempre a atendia foi transferida, e pela primeira vez via a R. chorar. Enquanto os demais alunos abraçavam a psicologa pra se despedir ela chorava olhando de longe. Eu vi, fui até lá. Pedi que falasse comigo e ela me respondeu "Você não entende pro, a Lidi era a única que me ouvia, que sabia o que acontecia comigo,ela me ajudava a não ter raiva. Agora ela ta indo embora, quem vai me ouvir? Quem vai conversar comigo?" , aquilo mexeu comigo, eu a abracei, não queria saber se ela gostava ou não de ser abraçada, foi de impulso , mais forte que eu, eu queria abraça-la o mais forte possível e o fiz. Pra minha surpresa ela não tentou se soltar, encostou a cabeça em meu ombro e chorou , e eu chorei junto. E falei "R. sei que a gente se estranhou no começo, sei que posso ser só mais uma professora, mais eu me preocupo com você, e gosto muito mesmo de você e quero que saiba que você pode sim contar comigo, conversar quando precisar ou estiver nervosa, pode se abrir, pedir conselho, eu to aqui pro que você precisar, você não esta sozinha."  Ela falou sobre sair do projeto, e eu falei que se ela saísse o projeto perderia uma aluna muito importante e especial. Convenci ela a não abandonar o projeto. Uma semana depois fui demitida. Quase não tive coragem de olhar ela nos olhos, na semana anterior ela me perguntou se eu também iria embora, e eu disse que se dependesse de mim não iria, mas uma semana depois descubro que vou embora. No dia que fui me despedir ela estava na aula de judô. Quando os alunos me viram vieram correndo em minha direção já chorando me perguntando porque eu estava indo embora, ela novamente me olhando de longe, veio se aproximando depois de todos, me deu abraço apertado, pediu me whats e disse que precisava voltar pra aula de judô. Ela chorou, mas se despediu rapidamente de mim. Na hora me doeu, queria mais demonstração de carinho, e não tive. Mas lembrei de como ela reagiu a despedida da psicologa. Compreendi. No mesmo dia ela me mandou mensagem no what, "Pro estou com saudades, porque você saiu ? Você era a pro mais legal, agora não tenho mais motivos pra continuar no projeto, vou sair" , conversei com ela, expliquei, ela ficou com raiva da coordenadora mas eu expliquei que ela não teve escolhas pois a instituição estava passando por dificuldades financeiras e teve que demitir que havia entrado por último pra não ter tantos encargos pra pagar . Ela entendeu, mas disse que o projeto não seria a mesma coisa sem mim. Ela foi minha melhor conquista , minha maior prova, minha maior lição que aprendi nos poucos meses que trabalhei lá. Ela é uma jovem como várias que existem por aí que muitos julgam descontroladas e delinquentes mas que tem uma família desestruturada, passa fome, dificuldades, violências de todos os tipos que a fazer ser fria, mas que esperam alguém olhar nela mais do que isso, olhar a doçura em seus olhos, e descobrir que ela tem muito mais a oferecer, tem qualidades, tem talentos que precisam ser valorizados pra quem sabe mudar seu futuro. Descobri que ela canta. E canta bem, só descobri uma semana depois de ter ido embora porque ela me add no facebook e vi um vídeo que uma irmã mais velha dela postou uns meses atrás. Ela tem uma linda voz . Ela tem arte dentro de si e espero de coração que ela não perca isso. A R, e todos eles , cada um deles me fez entender uma nova maneira de amar e lecionar.

Recebi mais de sessenta cartas que eles me escreveram e chorei lendo cada uma. Faz quatro meses que não trabalho mais lá, e ainda sonho com eles toda semana. Toda semana sonho que voltei a trabalhar lá ou que reencontrei eles em alguma situação bem melhor. Foi um baque pra mim, fiquei mal por muito tempo mas não contei pra quase ninguém, nem aqui pro meu cantinho online, eu realmente sofri. Descobri um novo choro, um novo sofrimento, uma nova saudade.
Eles ainda me mandam whats, e perguntam quando vou visitá-los, mas não sei se tenho essa coragem pois sei que na hora de falar tchau vai ser igualmente doloroso. Mas vou  , com certeza vou.


Esse foi um dos episódios desse ano, o que mais me marcou, ja imagino as pessoas me falando que tenho que parar de sofrer tanto e me apegar aos alunos por isso, que devo romantizar menos as coisas, mas eu sou assim, e prefiro sofrer por ter me apegado do que sair de um lugar sem ser lembrada e sem ter feito nenhuma diferença na vida de pelo menos um aluno.


Isso me mudou de alguma maneira, muitas coisas me mudaram, em tempo, a saudade do palco ainda está comigo, mas evito falar disso, pensar nisso.
Sei que cabe a mim fazer algo, mudar isso, correr atrás, escrever uma peça e apresentar, mas com quem, sozinha? E patrocínio, apoio? E as contas? Não posso me dar ao luxo de me dedicar de corpo e alma a algo que não vai me trazer retorno financeiro porque é o que precisamos agora.
Respiro. Vou me recompor. Não sou a primeira nem a última a dar um tempo no seu sonho mesmo porque tenho outros sonhos agora que precisam de minha atenção. Talvez deva mesmo parar de romantizar as coisas...
Um dia quem sabe , nunca é tarde pra um palco.

25/09/2015

Ovejas negras.

Foi engraçado, mas triste.
Hoje ajudei a minha irmã mais nova a estudar pra prova de ciências.
Ao final dos estudos ela solta que ainda tem um trabalho para fazer, o tema é livre, a unica exigência do professor é que seja feito com slides.
Pergunto sobre o que ela vai fazer e ela cita um tema muito vago. Convenci ela a mudar o tema.
E bem, é aí que eu queria chegar.
Perguntei, "Já sei, por que você não fala sobre o feminismo nos dias atuais?"
E aí foi a parte triste, ela me pergunta o que é isso.
Eu ri. Mas ela no auge de sua adolescência e com tanta informação a sua volta, redes sociais, televisão,enfim, como pode ela não saber o que é?
Comecei comentando que vivemos em uma sociedade machista, e ela me interrompe e inocentemente me pergunta "então no mundo só existe machismo ? não existe feminismo?" , novamente dou risada da pergunta confusa dela e tento novamente explicar, de uma forma simples sobre o movimento feminista,  e deixei claro que as feministas não buscam ser superiores aos homens, mas sim iguais em todos os direitos e deveres.
Percebendo que talvez o tema seria abrangente demais pra ela fazer em uma hora dei outra ideia aleatória pra que ela concluísse o trabalho e disse que quando ela terminasse voltaria a explicar sobre o feminismo e machismo.
Acabou que ela voltou pra casa da minha mãe antes que eu pudesse retomar a explicação.
Depois parei pra pensar que na idade dela eu também não fazia ideia, não fazia ideia dos meus direitos, não fazia ideia do poder que me era tomado todos os dias, não fazia ideia de que não eu não precisava obrigatoriamente ser um modelo de dona de casa de seriado dos anos 80.
Lembro inclusive de quando comecei a me questionar sobre a minha beleza, sobre o porque eu ja tinha 15 anos e ainda não tinha beijado ninguém , enquanto todas as meninas a minha volta já tiham dados beijos e algumas até namoravam.
Comecei a pensar em toda a opressão que sofri indo além do machismo que naturalmente nos é imposto, a opressão do padrão de beleza, a opressão religiosa, a opressão no sistema de ensino classificando alunos pelas notas que aparecem em um pedaço de papel.
Mas vamos por partes.
Minha mãe se divorciou do meu pai quando eu tinha seis anos de idade , não que eu tenha gostado, mas era tão criança que o divórcio não me afetou tanto quanto afetou minha irmã mais velha que tinha cerca de 10 anos de idade.
Ao longo dos anos, eu passei a ver minha mãe como uma heroína, não que meu pai fosse o vilão.
Mas após o divorcio todos os nossos familiares por parte de pai, ou seja meus tios e meus primos, se afastaram de nós. Eu demorei pra compreender o quanto a familia de meu pai estava inconformada pelo fato da minha ter pedido divórcio. Ela foi a primeira da familia do meu pai a pedir divórcio, e a familia dele não aceitou . Fiquei triste pois não tenho primos por parte de mãe, e por parte de pai tinha um primo e uma prima que tinham mais ou menos minha idade. Sempre os convidava para meus aniversários, eles nunca podiam ir. Alias só iam quando meu pai fazia uma festinha pra mim na casa dele também. Não fui aquela menina que cresceu sendo super amiga dos primos e isso me frustrou por muito tempo e ate hoje.
Tenho os dois add no facebook, vejo que tenho muito em comum com minha prima, e sei que ela tem um carinho por mim, como eu tenho por ela, mas parece que existe uma barreira invisível entre nós que nos impede de estreitarmos laços. Meu primo tem exatamente minha idade, e só nos falamos quando tem festa por parte da família do meu pai. Nunca admiti pros meus irmãos ou pra minha mãe, mas isso levemente me entristece.
Minha mãe não conformou-se com um relacionamento que não a fazia feliz, e mesmo com filhos tomou uma decisãõ e seguiu em frente sem pestanejar, e eu sinceramente acho que foi o melhor que ela fez, sei que ela sofreu, sei que meu pai sofreu, mas se digo que foi o melhor é porque hoje vejo o quanto os dois estão felizes e são amigos assim, divorciados. Demorou muito pra essa amizade se reconstruir , e hoje em dia vira e mexe eles batem boca, mas com aquele carinho de amigo que se preocupa, eles se amam, mas hoje eles se respeitam , separados.
A família do meu pai é patriarcal, machista, conservadora, e meus primos cujas mães calaram-se e mantiveram-se casadas, seja por estarem felizes , por medo, ou comodismo, foram criados nesses moldes. Muitos deles tiveram de seguir a carreira dos meus tios e meu pai, medicina. E os que não foram por esse caminho foram pra advocacia. Minha prima, com a qual eu disse que me identifico em muitas coisas, foi a única a bater o pé e seguir outro rumo. Não sei ao certo o que ela enfrentou para ter sua vontade aceita, se teve de brigar ou só enfrentou olhares contrariados e desacreditados.Mas formou-se em administração. Recentemente fiquei sabendo que ela esta prestando novo vestibular, agora pra medicina.
Novamente, não sei se isso foi imposto, foi um trato, ou foi por vontade própria, mas torço pra que seja essa ultima opção.
Mas é nessas horas que olho pra minha mãe e silenciosamente agradeço por ela ter tido a coragem de chutar o balde e se divorciar do meu pai. Afinal eu fico imaginando o que seria de mim e de meus irmãos caso ela tivesse se curvado a esse machismo e conservadorismo?
Graças a ela meu irmão não é médico, é engenheiro químico. Graças a ela minha irmã não é médica é psicóloga. Graças a ela eu não sou médica, sou formada em design de moda e também em teatro.
Sim, meu pai nos apoiou em nossas escolhas, mas sei que pra ele não foi fácil, mesmo assim ele estava durante todo o processo, e todo orgulhoso e chorão em nossas formaturas. Não tiro dele o crédito, mesmo porque foi ele que financiou nossas faculdades, inclusive as duas que eu fiz.
Sei que ele passou por cima de seu orgulho e colocou nossa felicidade em primeiro lugar e amo ele demais por isso, por ser tão mais coração do que orgulho.
Mas agradeço a minha mãe, por não ter medo de abaixar a cabeça para concepções que não eram de sua natureza.
Ainda me sinto deslocada em festas da família do meu pai onde vejo todos os meus primos comentando casos que passaram juntos ou perguntando um ao outro como vai aquele problema, ou aquela namorada, enquanto eu não sei da vida deles. Ainda sinto que eu , meus irmão, meu pai e minha mãe somos as ovelhas negras da família. Mas ao mesmo tempo meu peito se enche de orgulho porque somos uma família de ovelhas negras felizes e que respeitamos as escolhas uns dos outros, mesmo que a gente não concorde sempre.

Resumindo, minha irmã mais nova , fruto do segundo casamento da minha mãe, não passou por tudo isso, e não a culpo por não saber o que é feminismo ou passar a mudar algumas atitudes perante a isso, porque afinal nunca é tarde pra enxergarmos, nunca é tarde para dar um basta, nunca é tarde para nos colocarmos em primeiro lugar, e pretendo falar isso pra ela em nosso próximo encontro.