25/09/2015

Ovejas negras.

Foi engraçado, mas triste.
Hoje ajudei a minha irmã mais nova a estudar pra prova de ciências.
Ao final dos estudos ela solta que ainda tem um trabalho para fazer, o tema é livre, a unica exigência do professor é que seja feito com slides.
Pergunto sobre o que ela vai fazer e ela cita um tema muito vago. Convenci ela a mudar o tema.
E bem, é aí que eu queria chegar.
Perguntei, "Já sei, por que você não fala sobre o feminismo nos dias atuais?"
E aí foi a parte triste, ela me pergunta o que é isso.
Eu ri. Mas ela no auge de sua adolescência e com tanta informação a sua volta, redes sociais, televisão,enfim, como pode ela não saber o que é?
Comecei comentando que vivemos em uma sociedade machista, e ela me interrompe e inocentemente me pergunta "então no mundo só existe machismo ? não existe feminismo?" , novamente dou risada da pergunta confusa dela e tento novamente explicar, de uma forma simples sobre o movimento feminista,  e deixei claro que as feministas não buscam ser superiores aos homens, mas sim iguais em todos os direitos e deveres.
Percebendo que talvez o tema seria abrangente demais pra ela fazer em uma hora dei outra ideia aleatória pra que ela concluísse o trabalho e disse que quando ela terminasse voltaria a explicar sobre o feminismo e machismo.
Acabou que ela voltou pra casa da minha mãe antes que eu pudesse retomar a explicação.
Depois parei pra pensar que na idade dela eu também não fazia ideia, não fazia ideia dos meus direitos, não fazia ideia do poder que me era tomado todos os dias, não fazia ideia de que não eu não precisava obrigatoriamente ser um modelo de dona de casa de seriado dos anos 80.
Lembro inclusive de quando comecei a me questionar sobre a minha beleza, sobre o porque eu ja tinha 15 anos e ainda não tinha beijado ninguém , enquanto todas as meninas a minha volta já tiham dados beijos e algumas até namoravam.
Comecei a pensar em toda a opressão que sofri indo além do machismo que naturalmente nos é imposto, a opressão do padrão de beleza, a opressão religiosa, a opressão no sistema de ensino classificando alunos pelas notas que aparecem em um pedaço de papel.
Mas vamos por partes.
Minha mãe se divorciou do meu pai quando eu tinha seis anos de idade , não que eu tenha gostado, mas era tão criança que o divórcio não me afetou tanto quanto afetou minha irmã mais velha que tinha cerca de 10 anos de idade.
Ao longo dos anos, eu passei a ver minha mãe como uma heroína, não que meu pai fosse o vilão.
Mas após o divorcio todos os nossos familiares por parte de pai, ou seja meus tios e meus primos, se afastaram de nós. Eu demorei pra compreender o quanto a familia de meu pai estava inconformada pelo fato da minha ter pedido divórcio. Ela foi a primeira da familia do meu pai a pedir divórcio, e a familia dele não aceitou . Fiquei triste pois não tenho primos por parte de mãe, e por parte de pai tinha um primo e uma prima que tinham mais ou menos minha idade. Sempre os convidava para meus aniversários, eles nunca podiam ir. Alias só iam quando meu pai fazia uma festinha pra mim na casa dele também. Não fui aquela menina que cresceu sendo super amiga dos primos e isso me frustrou por muito tempo e ate hoje.
Tenho os dois add no facebook, vejo que tenho muito em comum com minha prima, e sei que ela tem um carinho por mim, como eu tenho por ela, mas parece que existe uma barreira invisível entre nós que nos impede de estreitarmos laços. Meu primo tem exatamente minha idade, e só nos falamos quando tem festa por parte da família do meu pai. Nunca admiti pros meus irmãos ou pra minha mãe, mas isso levemente me entristece.
Minha mãe não conformou-se com um relacionamento que não a fazia feliz, e mesmo com filhos tomou uma decisãõ e seguiu em frente sem pestanejar, e eu sinceramente acho que foi o melhor que ela fez, sei que ela sofreu, sei que meu pai sofreu, mas se digo que foi o melhor é porque hoje vejo o quanto os dois estão felizes e são amigos assim, divorciados. Demorou muito pra essa amizade se reconstruir , e hoje em dia vira e mexe eles batem boca, mas com aquele carinho de amigo que se preocupa, eles se amam, mas hoje eles se respeitam , separados.
A família do meu pai é patriarcal, machista, conservadora, e meus primos cujas mães calaram-se e mantiveram-se casadas, seja por estarem felizes , por medo, ou comodismo, foram criados nesses moldes. Muitos deles tiveram de seguir a carreira dos meus tios e meu pai, medicina. E os que não foram por esse caminho foram pra advocacia. Minha prima, com a qual eu disse que me identifico em muitas coisas, foi a única a bater o pé e seguir outro rumo. Não sei ao certo o que ela enfrentou para ter sua vontade aceita, se teve de brigar ou só enfrentou olhares contrariados e desacreditados.Mas formou-se em administração. Recentemente fiquei sabendo que ela esta prestando novo vestibular, agora pra medicina.
Novamente, não sei se isso foi imposto, foi um trato, ou foi por vontade própria, mas torço pra que seja essa ultima opção.
Mas é nessas horas que olho pra minha mãe e silenciosamente agradeço por ela ter tido a coragem de chutar o balde e se divorciar do meu pai. Afinal eu fico imaginando o que seria de mim e de meus irmãos caso ela tivesse se curvado a esse machismo e conservadorismo?
Graças a ela meu irmão não é médico, é engenheiro químico. Graças a ela minha irmã não é médica é psicóloga. Graças a ela eu não sou médica, sou formada em design de moda e também em teatro.
Sim, meu pai nos apoiou em nossas escolhas, mas sei que pra ele não foi fácil, mesmo assim ele estava durante todo o processo, e todo orgulhoso e chorão em nossas formaturas. Não tiro dele o crédito, mesmo porque foi ele que financiou nossas faculdades, inclusive as duas que eu fiz.
Sei que ele passou por cima de seu orgulho e colocou nossa felicidade em primeiro lugar e amo ele demais por isso, por ser tão mais coração do que orgulho.
Mas agradeço a minha mãe, por não ter medo de abaixar a cabeça para concepções que não eram de sua natureza.
Ainda me sinto deslocada em festas da família do meu pai onde vejo todos os meus primos comentando casos que passaram juntos ou perguntando um ao outro como vai aquele problema, ou aquela namorada, enquanto eu não sei da vida deles. Ainda sinto que eu , meus irmão, meu pai e minha mãe somos as ovelhas negras da família. Mas ao mesmo tempo meu peito se enche de orgulho porque somos uma família de ovelhas negras felizes e que respeitamos as escolhas uns dos outros, mesmo que a gente não concorde sempre.

Resumindo, minha irmã mais nova , fruto do segundo casamento da minha mãe, não passou por tudo isso, e não a culpo por não saber o que é feminismo ou passar a mudar algumas atitudes perante a isso, porque afinal nunca é tarde pra enxergarmos, nunca é tarde para dar um basta, nunca é tarde para nos colocarmos em primeiro lugar, e pretendo falar isso pra ela em nosso próximo encontro.