22/04/2014

Aparecida

Tenho saudades da Ciduxa.
Senhora gorda e cansada. Chegava cedinho, as vezes nem tanto assim. Mas dava pra saber quando chegava, ligava seu rádio bem perto da janela do meu quarto.
As vezes o radio falhava e dava pra ouvir ela cantando algo indecifrável...
Na família nossa diversão era imitar ela cantando nessa língua desconhecida ou tentar adivinhar qual era a música que parecia ser sempre a mesma.
Não era lá muito caprichosa, nem era a melhor cozinheira, mas ela sabia como me fazer pular da cama na hora. "Madá levanta, tem batatinha frita". (nunca entendi o porque desse apelido)
E quando eu não conseguia levantar ela falava "Vai dormir mais? então vou guardar pra você".
Tinha vezes que ela chegava e eu estava indo dormir, ou por ter voltado de uma festa ou por ter madrugado na internet, e ela arregalava o olho e fazia a pergunta que ela ja conhecia a resposta "Mas não durmiu ainda? Coruja".
Eu normalmente comia depois de todo mundo, mas ela sempre sentava pra me fazer companhia enquanto eu calmamente devorava a batata frita, e escutava ela contar dos seus netos e de como eles aprontavam.
Ela era paciente, tinha uma respiração barulhenta, e um jeito de quem quer parecer rabugenta mas nao consegue.
Detestava tirar foto, por isso não tenho nenhum registro dela, ela sempre fugia ou colocava a mão no rosto. As vezes me surpreendia com um bolo de chocolate, em uma dessas vezes achei pedaços de farinha no meio do recheio, mas eu comi mesmo assim. Ela fez o bolo pra mim, eu achei que tinha que comer e agradecer.
Na hora de ir embora ela ia passando por cada canto da casa onde tivesse gente pra se despedir...e se tivesse só eu em casa ela ia me falar tchau e passar os lembretes pra eu repassar pra minha mãe, sobre o moço que ficou de vir arrumar algo e não veio, ou sobre o fiado que temos que pagar da padaria.
Era como uma mãe-vó pra toda nossa família, mesmo que nem todos reconheçam isso . Ela não era a melhor empregada domestica, mas ela era a melhor amiga de nós e da nossa casa.
E eu amava a maneira como tudo parecia fluir naturalmente com ela, a Ciduxa colocava tudo nos eixos, desde lembrar minha mãe de algum remédio, até me falar o horario do onibus que ia pro centro. Ela fazia nossa casa ter uma rotina. E eu amava acordar com o rádio na minha janela, eu pensava: A Ciduxa chegou, ta tudo certo.
Ela sempre reclamou das dores nas pernas, por isso minha mãe nunca exigia muito dela, mas ela sempre foi muito teimosa. Com o tempo foi piorando, e ela tinha que sentar pra descansar, até que conversou com minha mãe resolveu se aposentar, minha mãe concordou, ela ja tinha feito o que podia e não podia por nós. Tinha que descansar, e aproveitar seus netos.
Então cerca de quatro anos atrás a Ciduxa parou de trabalhar em casa. Mas sempre que podia vinha nos visitar, mesmo depois que eu me mudei pra São Paulo, quando eu voltava em algum feriado, e ela sabia que eu estava aqui, ela vinha me ver.
Esses dias falei com ela no telefone, ela me puxou a orelha achando que eu já tinha me casado e não a tinha convidado. Queria que ela visse minha lista de casamento que fiz a três anos atrás...nomes entram e saem toda hora, mas o dela continua lá...
Sempre soube que ela tinha um carinho enorme por mim, e eu sempre tive um carinho enorme por ela.
 Ela me ensinou muita coisa, e muita coisa ela nem imagina que me ensinou!
Mas a música que ela cantava...ah..isso eu nunca descobri...